Vai ser um post grandinho, mas espero que esclareça algumas dúvidas. Assim que conseguir, posto no Cipsga. É uma resposta a este comentário sobre o júri que inocentou a Elcomsoft: "Que história é esa de juiz americano julgar russos que fizeram traquinagens em território russo? Bem, houve o risco de prejuízo a empresas americanas, mas queria ver se eles aceitariam ter um cidadão deles julgado pelos russos caso o contrário tivesse acontecido."
Primeiro, um pequeno histórico, para quem ainda não conhece o caso:
1- o software que viola a proteção do e-book da Adobe foi desenvolvido na Rússia, e era vendido no mundo todo, Eua inclusive, através do site da Elcomsoft. Na Rússia, esse software é lícito. Nos Eua, é violação de direitos autorais, que é crime.
2- Sklyarov, que criou o programa, foi convidado para fazer uma palestra nos Eua. E foi preso após sua fala. A alegação é de que teria violado a dmca (Digital Millenium Copyright Act, a nova lei estadunidense de direitos autorais).
3- Depois de fiança, e de Sklyarov aceitar depor contra a Elcomsoft para não ser processado, um julgamento declarou a empresa inocente.
No Direito Internacional, quando tratados (que são contratos entre Estados) são celebrados, eles prevêem os conflitos que podem surgir sobre determinado tema, estabelecem soluções comuns e elegem um foro especial para solucionar os eventuais problemas. E há espaço para os contratantes recusarem algumas cláusulas (exemplo clássico é os EUA não admitirem que seus nacionais sejam julgados em tribunais internacionais). Em respeito à soberania dos contratantes, em tese um tratado não tem como base a legislação de um Estado, em detrimento dos demais, mas é fruto de uma discussão que leva em conta todos os interesses envolvidos, em busca de uma legislação comum a todos.
Não é o que acontece com o caso da Elcomsoft: o DMCA é uma lei norte-americana, e só tem validade nos EUA, que não podem impo-lo a uma empresa na Rússia. Isso afasta o Direito Internacional, e entra no Direito Penal dos EUA, pois a palestra de Sklyarov ocorreu em território estadunidense, sendo considerada criminosa nos termos do DMCA, e ensejando o julgamento nos EUA. No meio do processo, por obra e graça do sistema jurídico norte-americano, a ré passou a ser a Elcomsoft, e Sklyarov depôs contra a empresa (em troca, retiraram o processo contra ele).
Por que a Elcomsoft foi inocentada? Há muita controvérsia na doutrina jurídica sobre o assunto mas, em princípio, se não há uma harmonia de legislação entre os Estados (o que seria resolvido pelo Direito Internacional, através dos tratados), não há porque punir alguém que, em seu país, realizou um ato que não é crime. A inocência da Elcomsoft está no fato de que não tinha a intenção de violar o DMCA, pois não se subordina a ele. E, no caso de Sklyarov, a situação é mais complicada, pois sua palestra esbarra em questão constitucional: a liberdade de expressão x DMCA. Como foi retirado o processo contra ele, esse aspecto, que é bastante polêmico, não foi discutido no tribunal.
Considero que este caso é mais complexo, usando o aspecto jurídico para encobrir um conflito político. A Adobe não conseguiu impedir a venda do programa da Elcomsoft, pois não pode interferir na legislação da Rússia, nem impor o DMCA para o mundo todo. Mas alguém (?) trouxe o principal programador para uma palestra nos EUA... em um congresso hacker, ele falaria sobre o quê? Vodca? Só que, ele falando sobre o programa, estaria infringindo o DMCA em território americano, abrindo caminho para um julgamento que dificultaria (ou impossibilitaria) a venda do programa. De quebra, o estardalhaço faria com que a mídia desse destaque a um julgamento de russos piratas por americanos bonzinhos, divulgaria o DMCA e, de forma inconsciente, estimula nos programadores do mundo todo o medo de um processo e a adoção de lei semelhante para proteger os direitos autorais. Essas últimas características explicariam o envolvimento do governo estadunidense em um julgamento já de antemão perdido ( segundo a Wired, um funcionário da Adobe admitiu que eles só poderiam pedir à Elcomsoft para retirar o programa do site, e nada mais). É uma especulação, apenas. Mas não me surpreenderia se fosse verdade.
Primeiro, um pequeno histórico, para quem ainda não conhece o caso:
1- o software que viola a proteção do e-book da Adobe foi desenvolvido na Rússia, e era vendido no mundo todo, Eua inclusive, através do site da Elcomsoft. Na Rússia, esse software é lícito. Nos Eua, é violação de direitos autorais, que é crime.
2- Sklyarov, que criou o programa, foi convidado para fazer uma palestra nos Eua. E foi preso após sua fala. A alegação é de que teria violado a dmca (Digital Millenium Copyright Act, a nova lei estadunidense de direitos autorais).
3- Depois de fiança, e de Sklyarov aceitar depor contra a Elcomsoft para não ser processado, um julgamento declarou a empresa inocente.
No Direito Internacional, quando tratados (que são contratos entre Estados) são celebrados, eles prevêem os conflitos que podem surgir sobre determinado tema, estabelecem soluções comuns e elegem um foro especial para solucionar os eventuais problemas. E há espaço para os contratantes recusarem algumas cláusulas (exemplo clássico é os EUA não admitirem que seus nacionais sejam julgados em tribunais internacionais). Em respeito à soberania dos contratantes, em tese um tratado não tem como base a legislação de um Estado, em detrimento dos demais, mas é fruto de uma discussão que leva em conta todos os interesses envolvidos, em busca de uma legislação comum a todos.
Não é o que acontece com o caso da Elcomsoft: o DMCA é uma lei norte-americana, e só tem validade nos EUA, que não podem impo-lo a uma empresa na Rússia. Isso afasta o Direito Internacional, e entra no Direito Penal dos EUA, pois a palestra de Sklyarov ocorreu em território estadunidense, sendo considerada criminosa nos termos do DMCA, e ensejando o julgamento nos EUA. No meio do processo, por obra e graça do sistema jurídico norte-americano, a ré passou a ser a Elcomsoft, e Sklyarov depôs contra a empresa (em troca, retiraram o processo contra ele).
Por que a Elcomsoft foi inocentada? Há muita controvérsia na doutrina jurídica sobre o assunto mas, em princípio, se não há uma harmonia de legislação entre os Estados (o que seria resolvido pelo Direito Internacional, através dos tratados), não há porque punir alguém que, em seu país, realizou um ato que não é crime. A inocência da Elcomsoft está no fato de que não tinha a intenção de violar o DMCA, pois não se subordina a ele. E, no caso de Sklyarov, a situação é mais complicada, pois sua palestra esbarra em questão constitucional: a liberdade de expressão x DMCA. Como foi retirado o processo contra ele, esse aspecto, que é bastante polêmico, não foi discutido no tribunal.
Considero que este caso é mais complexo, usando o aspecto jurídico para encobrir um conflito político. A Adobe não conseguiu impedir a venda do programa da Elcomsoft, pois não pode interferir na legislação da Rússia, nem impor o DMCA para o mundo todo. Mas alguém (?) trouxe o principal programador para uma palestra nos EUA... em um congresso hacker, ele falaria sobre o quê? Vodca? Só que, ele falando sobre o programa, estaria infringindo o DMCA em território americano, abrindo caminho para um julgamento que dificultaria (ou impossibilitaria) a venda do programa. De quebra, o estardalhaço faria com que a mídia desse destaque a um julgamento de russos piratas por americanos bonzinhos, divulgaria o DMCA e, de forma inconsciente, estimula nos programadores do mundo todo o medo de um processo e a adoção de lei semelhante para proteger os direitos autorais. Essas últimas características explicariam o envolvimento do governo estadunidense em um julgamento já de antemão perdido ( segundo a Wired, um funcionário da Adobe admitiu que eles só poderiam pedir à Elcomsoft para retirar o programa do site, e nada mais). É uma especulação, apenas. Mas não me surpreenderia se fosse verdade.